De que trata o livro «A Mente da Criança»? Jorge Beira, do novo Centro Maria Montessori Portugal, responde.
Convidámos o diretor do Instituto de Educação Maria Montessori Portugal a responder a algumas perguntas sobre este nosso novo lançamento. Eis o que ficámos a saber.
1. Qual a mensagem-chave deste livro?
Este livro explora o significado do conceito da «Mente Absorvente» da criança, o termo que Maria Montessori utiliza para descrever a forma como a criança apreende o mundo à sua volta nos 6 primeiros anos de vida. A investigação científica sobre o desenvolvimento humano, a neurociência, a psicologia e as ciências comportamentais têm vindo a confirmar nas últimas décadas aquilo que Maria Montessori compreendeu muito antes, com base na observação rigorosa e sistemática de crianças de várias culturas, origens e continentes - Montessori conseguiu descortinar aspetos universais do desenvolvimento humano, que nos unem como espécie, independentemente do local onde nascemos ou da(s) língua(s) que aprendemos nos primeiros anos de vida. Como cientista, continuo a ficar fascinado com a profundidade que Montessori conseguiu alcançar sem que houvesse grande tecnologia, com que hoje podemos confirmar os mesmos princípios.
O poder da Mente Absorvente da criança está na base da adaptação do ser humano à realidade e ao mundo em que vive ─ somos entidades biológicas, com necessidades particulares, e apreendemos o mundo à nossa volta através dos nossos sentidos, da experiência direta, da interação com objetos e elementos do nosso ambiente, e também das interações sociais e emocionais com os que nos rodeiam. A família é a primeira unidade social da criança, e esta «Mente Absorvente» da criança permite-lhe integrar-se de forma natural na sua família, e pertencer ao grupo social onde se desenvolve.
Este livro é uma das grandes referências para famílias que queiram compreender a pedagogia Montessori, que «simplesmente» tem como ponto de partida a investigação e observação de crianças para delinear um sistema educativo compatível com o desenvolvimento humano ─ e não é isto que continua a faltar nas nossas sociedades?
Costumo dizer que este livro deveria ser oferecido nas maternidades a todos os novos pais! Se houver um «manual» que nos dá a chave para compreender a criança na sua individualidade nos primeiros anos de vida, é este livro!
2. Quais são os pilares do Método Montessori?
A pedagogia Montessori assenta em vários pilares importantes, uma vez que resulta da investigação científica sobre a universalidade do desenvolvimento humano. A tendência natural do ser humano é procurar um equilíbrio, uma harmonia entre aspetos internos e externos. Se observarmos as nossas crianças na sua individualidade, facilmente identificamos traços únicos da sua individualidade e personalidade, que devemos respeitar e preservar. A pedagogia Montessori tem uma forte componente de observação, através da qual podemos responder a cada criança. Uma experiência Montessori estabelece condições para que cada criança desenvolva três capacidades fundamentais ─ cuidar de si própria, cuidar dos outros, e cuidar do ambiente à sua volta ─ e que são aspetos que ficam connosco para o resto da vida.
É necessário conhecer e respeitar o desenvolvimento humano, preparar o ambiente, bem como criar condições físicas e humanas para a «autoeducação» com liberdade e responsabilidade, com condições para a criança desenvolver a sua independência e com um grupo de idades mistas que é uma mini-sociedade no seu dia a dia. Também o adulto tem de se preparar e, gradualmente, construir uma perspetiva mais humanista da criança ─ só assim podemos apoiar o seu desenvolvimento.
À primeira vista pode parecer uma utopia, mas quando obtemos conhecimento mais específico, podemos dar uma resposta mais adequada às necessidades de cada criança, que também se vão alterando ao longo do desenvolvimento. A pedagogia Montessori é «um todo», pois cada um de nós também é mais do que a soma das partes.
3. Qual a importância do movimento na filosofia Montessori?
Sabemos que o ser humano aprende através do movimento. Tem havido vários estudos nas últimas décadas que confirmam a ligação entre aspetos físicos e cognitivos que Maria Montessori já havia identificado ─ logo desde o nascimento, o movimento vai-se desenvolvendo à medida que o nosso organismo constrói as estruturas necessárias, e é por meio da interação com o nosso meio que vamos experienciando e afinando as ligações entre o sistema nervoso e os restantes sistemas de órgãos. Este desenvolvimento é simultâneo, há uma interdependência entre corpo e mente desde o início (desde as primeiras decisões genéticas no embrião) ─ não será natural esperar que o papel do movimento na aprendizagem se mantenha durante toda a vida?
A questão que devemos colocar é: «Quem é que achou que era boa ideia exigir às crianças que ficassem sentadas em cadeiras e mesas durante horas do dia a ouvir alguém transmitir informação que pode ou não ser interessante para a criança naquele momento? Qual a evidência que apoiou essa abordagem estática?»
Se soubermos criar condições para que a criança explore o seu ambiente, a aprendizagem pode ter muito mais significado ─ não é muito mais prazeroso e eficiente, quando queremos obter uma informação, procurarmos nós próprios a resposta a determinada pergunta? Não é dessa forma que «nunca mais nos esquecemos» daquela informação? Porque é que seria esperado que, quando somos crianças, na fase mais estruturante das nossas vidas, pudéssemos aprender de forma estática, ouvindo apenas a experiência de alguém que nos «conta como foi»? A experiência direta (hands-on experience) é muito mais produtiva na forma como o cérebro humano processa, integra e relaciona informação. Será muito mais produtivo se conseguirmos tirar partido da nossa natureza em vez de a negar.
4. Quais as principais diferenças entre as escolas tradicionais e as escolas Montessori?
Ao contrário da pedagogia Montessori, que surgiu como resposta às necessidades do ser humano, a origem das escolas «convencionais» procurava dar resposta a uma massificação da produção fabril, na sequência da revolução industrial. Talvez esta perspetiva seja um ponto de partida para compreendermos as diferenças entre as escolas que hoje são predominantes e a pedagogia Montessori.
Depois de décadas de investigação sobre a nossa espécie, sobre a formação e funcionamento do cérebro humano, sobre a forma como aprendemos, porque é que o ensino continua sem incorporar este conhecimento? Sabemos hoje como a aprendizagem é um processo interno, em que cada um de nós tem de ser uma parte ativa, em que os nossos interesses funcionam como um farol que nos atrai para descobertas fascinantes que jamais esqueceremos. Nós não ensinamos a criança, é ela que vai aprender, que vai estabelecer ligações.
Devemos criar condições adequadas para que o consiga fazer, claro ─ preparar o ambiente ─ mas é essencial compreender que não conseguimos substituir a criança no seu papel de descobrir as relações entre os elementos do mundo em que vive.
5. É mesmo possível aprender brincando?
Tal como qualquer outro aspeto das nossas vidas, é essencial aliar a diversão à aprendizagem. A curiosidade é uma tendência natural de todos nós, que nos guia na busca por compreender o nosso mundo. Quando somos crianças temos uma grande tendência para explorar esta curiosidade, para experimentar, e muitas descobertas trazem-nos uma satisfação intrínseca que se traduz numa aprendizagem divertida. Na verdade, a aprendizagem resulta do processo de exploração, estabelecer relações entre coisas que antes desconhecíamos, uma brincadeira que pode durar toda a vida, se nos mantivermos curiosos e interessados em explorar o mundo em que vivemos.
6. Fale-nos um pouco do novo Centro IEMM Portugal.
O Instituto de Educação Maria Montessori é um dos mais recentes Centros de Formação afiliado com a AMI (Associação Montessori Internacional). A AMI foi a instituição fundada pela própria Maria Montessori para salvaguardar a transmissão fidedigna e rigorosa dos princípios da pedagogia que resultou do seu trabalho de investigação durante décadas.
Através do nosso Training Centre em Portugal passou a ser possível obter formação certificada pela AMI, com reconhecimento internacional e com o objetivo de ter uma oferta formativa para a comunidade de língua portuguesa, em Portugal ou pelo mundo. Para cada faixa etária, organizamos cursos introdutórios (e.g. Orientação) que são apropriados para qualquer pessoa com interesse em saber mais sobre a pedagogia Montessori (pais, avós, educadores, professores, assistentes, auxiliares, etc.), e também cursos especializados (Diploma) que são o ponto de partida para profissionais, para quem procura ser Guia Montessori, etc. Aliás, o próximo curso (Guia Montessori AMI 3-6 anos) vai ter início ainda este ano. Podem obter mais detalhes no nosso website, www.montessoriportugal.org ou nas redes sociais @iemmportugal.
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